segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Relíquias da Tonga


Relíquias da Tonga

Era no tempo em que Vinicius desbundou. Virou bicho-grilo pelas Tongas da Bahia, derramando sua poesia entre novas amizades, amores, canções, poesias. E claro, scotches e cigarros. Onze anos antes, Clara Nunes (1942/1983) chamara atenção no concurso A Voz de Ouro ABC, em Belo Horizonte, cantando a sua “Serenata do Adeus”, conforme conta o próprio Vinicius de Moraes (1913/1980). Claro, em 73, os recursos técnicos para uma gravação informal não eram nada comparáveis aos de hoje. Mesmo em um teatro como o Castro Alves, em Salvador, ou numa boate como a Sucata, no Rio. A prova é que um registro lançado em 1991 pela gravadora Collector´s (em um álbum triplo, 30 faixas), apesar das diferenças do seu set list e de agora ter sido restaurado pelo produtor José Milton, em cima de três fitas captadas por Paulo César Pinheiro, viúvo de Clara, continua com uma sonoridade um tanto quanto... Tosca. Mas não é bem por isso que o projeto até certo ponto decepciona, isto fica até como um charme: é a atuação de Clara Nunes que soa significativamente longe, muito longe de todo o seu talento posteriormente consagrado.Preocupada talvez em mostrar-se à altura de Toquinho e Vinicius, ela soa mais como uma boa cantora de samba-canção, tão anasalada feito a Bethânia daqueles tempos, do que propriamente com a esplendorosa vibração que a consagraria nos anos seguintes. A valsa “Serenata do Adeus” e outros momentos ficaram com uma performance bem mais discreta do que as de cantoras que mais tarde se revelariam menos vibrantes, como Miúcha e Maria Creuza, com quem Toquinho e Vina também subiram ao palco. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do jovem violonista paulista, nem, sobretudo, do velho Poetinha.

Antes do AlvorecerAté que Clara revela uma certa coerência em “Veja Você” (Toquinho/Vinicius), “Rancho das Namoradas” (Ary Barroso/Vinicius), “A Felicidade”/“Garota de Ipanema” (Tom e Vinicius)/“Marcha da Quarta-Feira de Cinzas” (Carlos Lyra/Vinicius) e “Se todos fossem iguais a você” (Tom e Vinicius), que encerra o espetáculo. Mas ainda assim, manifestando muito pouca personalidade, o que nos faz cogitar até se este não fosse realmente seu melhor repertório, diante da sua interpretação tímida, “burocrática”, em “Rancho das Flores” (Vinicius), “Samba em Prelúdio” (Baden Powell/Vinicius de Moraes) e ainda “Lamento” e “Mundo Melhor” (Pixinguinha/Vinicius). A dúvida poderia ser tirada um ano depois, quando Clara lança “Alvorecer”, iniciando sua consagração entre temas como “Conto de Areia” (Romildo Bastos/Toninho), “Esse meu cantar” (João Nogueira) e até “Pau de Arara” (Guio de Moarais/Luiz Gonzaga) e “Samba da Volta” (Toquinho/Vinicius).
Mas são Vinicius e Toquinho que mandam no encontro, entre um repertório praticamente autoral, apesar da preocupação do produtor em estabelecer uma cronologia para o repertório, disponível pelo suporte oferecido por Paulo César Pinheiro - e com algumas faixas que simplesmente não puderam ser aproveitadas. “Cotidiano nº 2” é embaraçosamente discreta e deliciosa. “Samba de Orly”, a maravilha de sempre. “Regra Três”... E o pot-pourri de afro-sambas “Berimbau”/“Consolação”/“Canto de Ossanha”, com Clara perdendo outra oportunidade de soltar seu canto?

Claro, é covardia: Vinicius e Toquinho estavam afinados, com quatro anos de parceria, entre Itália e Argentina, não tinha pra ninguém. Ainda mais acompanhados por craques: Moacir (baixo), Eneas (bateria), Edinho (percussão) e Franklin (flauta), no Teatro Castro Alves; este, Mário Negrão (bateria) e Luiz Roberto (baixo), na Sucata. Pelo encarte não dá pra saber bem onde é onde, mas dá para perceber que Vinicius ainda teve um aliado, o bom e velho “cachorro engarrafado”, referência que traz até umas risadas desengonçadas de Toquinho antes de “Como dizia o poeta”, outro de seus grandes momentos. Vinicius começa com seu “Poética”, e não precisava mais nada. Só, ele, Toquinho e, quem sabe, um toque de macumba para despertar os espíritos guerreiros, antes do alvorecer, naquela Tonga da Milonga do Kabuletê.


CD
"Poeta, Moça e Violão"Vinicius, Clara Nunes e ToquinhoR$
3117 faixas1973/2008
Biscoito Fino

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=570818



Livraria Cultura


POETA, MOÇA E VIOLÃO
Conceito de quem ouviu: Seja o primeiro a opinar
Intérprete: TOQUINHOIntérprete: NUNES, CLARA
Intérprete: MORAES, VINICIUS

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