quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Uma trinca de DVDs dá brilho ao samba
Uma trinca de DVDs dá brilho ao samba Samba made in Brasil, é claro, não é Clara, Martinho e Zeca Pagodinho. A nata do samba em três lançamentos de peso no mercado audiovisual relembram os bons tempos
Por Francisco Quinteiro Pires Agência Estado
Clara, Martinho e Zeca se unem na fé. O compromisso é com a fibra espiritual e a vida simples. Essa relação com o mundo pode ser conferida em três DVDs - "Clara Nunes: Os Musicais do Fantástico das Décadas de 70 e 80", "O Pegueno Burguês" (Martinho da Vila) e "Uma Prova de Amor" (Zeca Pagodinho) - recém-lançados. Os três cantam letras que falam da esperança diante das adversidades. Como diz Martinho, "quem não dá sorte é azarado".
Essa sorte seria dada pela fé no sobrenatural, presente nos videoclipes de Clara Nunes para o programa Fantástico (Rede Globo) nos anos 1970 e 1980. Apesar da precariedade técnica, as gravações mostram a beleza de Clara, vestida de branco, usando colares, com unhas e lábios pintados de vermelho e os pés descalços. Um dos elementos mais presentes é a água. Filha de Ogum com Iansã, Clara Nunes pôde, com o auxílio da TV, intensificar a difusão da estética afro-brasileira. Interessante lembrar que, sob a ditadura militar, as emissoras precisavam procurar alternativas à programação vigiada.
Os 21 vídeos foram ao ar entre 1974 e 1983. Nota-se a evolução de Clara, mais à vontade - as danças rituais ficam mais soltas - nos cenários, alguns com fundo em chroma-key (técnica de efeito visual). Ela canta em playback, no mais das vezes. Segundo Vagner Fernandes, autor de "Clara Nunes: Guerreira da Utopia" (Ediouro), a mineira não gostava de ser chamada de sambista, ela era intérprete de MPB. A seleção prova a diversidade - "Conto de Areia" (Romildo e Toninho), "Coisa da Antiga" (Wilson Moreira e Candeia), "Sagarana" (Paulo César Pinheiro e João Nogueira), "Feira de Mangaio" (Sivuca e Glorinha Gadelha), "Viola de Penedo" (Luiz Bandeira), "Morena de Angola" (Chico Buarque), Ijexá (Edil Pacheco), entre outras.
A religião de Martinho da Vila é o otimismo. Em dezembro de 2007, ele gravou o DVD "Pequeno Burguês" no Teatro Fecap. A ideia era transformar o palco em casa e o público em visitas. O show seria, assim, a sua "autobiografia musical". As primeiras obras - "Depois não Sei" e "Linha do Ão" - são cantadas a capela Depois entram em ação o cavaco (Wanderson Martins) e o pandeiro (Ovídio Moreira).
A coisa ficou fácil, segundo Martinho, porque sua música se parece com uma conversa. Boa parte do repertório foi extraída do disco de estreia - "Martinho da Vila" (1969) -, seu trabalho mais vendido, onde estão "Casa de Bamba", "Pra Que Dinheiro", "O Pequeno Burguês" e "Tom Maior". Acompanhado por um CD, o DVD traz a inédita "Filosofia de Vida" (com Marcelinho Moreira e Fred Camacho). Ela resume uma trajetória que começa com os festivais nos anos 60, quando Martinho, ainda sargento, queria ser apenas compositor. Não teve jeito. "Meu destino eu moldei/ Qualquer um pode moldar/ Deixo o mundo me rumar/ Para onde eu quero ir/ Dor passada não me dói/ E nem curto nostalgia/ Eu só quero o que preciso/ Pra viver meu dia a dia."
O DVD contempla a atuação de Martinho no carnaval: "Quatro Séculos de Modas e Costumes", "Yaya do Cais Dourado" e "Renascer das Cinzas" são os sambas-enredo - com cadência de partido-alto - feitos para a Vila Isabel. E termina com "Tom Maior", cantada no Teatro Opinião. "Vou ensiná-lo a viver/ Onde ninguém é de ninguém/ Vai ter que amar a liberdade/ Só vai cantar em tom maior/ Vai ter a felicidade de ver um Brasil melhor."
Enquanto o Brasil não melhora, Zeca Pagodinho vai cantando, bebendo e comendo. Em "Uma Prova de Amor", que traz o making of do CD de mesmo nome, Zeca repete a fórmula bem-sucedida do "Acústico MTV 2 - Gafieira", com arranjos e Rildo Hora. As músicas foram escolhidas durante as cervejadas na casa de Xerém, na Baixada Fluminense. No DVD, a cerveja é um elemento onipresente.
Zeca comenta as parcerias e o significado das obras, nas quais há "a preocupação de falar das coisas que a gente vive", como em "Normas da Casa" (Zé Roberto), "Eta Povo pra Lutar" (Brasil, Badá, Magaça, Gilson Bernine) e "Terreiro em Acari "(Alamir, Roberto Lopes e Nilo Penetra). Duas parcerias inéditas de Zeca com Arlindo Cruz aparecem - "Sempre Atrapalhado" e "Se Eu Pedir Pra Você Cantar" ("Meu samba tem poder de curar/ Meu samba é como um milagre de um santo"). "Ogum" (Claudemir e Marquinhos PQD) tem a participação de Jorge Ben.
Ao gravar essa música, Zeca usou uma camisa com a imagem e a oração de São Jorge. No final do DVD, ele conta que, enquanto o disco era gravado, Regina Casé cantou "Uma Prova de Amor" para o pai, internado no hospital. Ele ficou muito alegre. Regina pediu uma fita gravada com o samba. Era sexta, não havia ninguém no estúdio. Só na segunda. Mas aí, como ela tinha previsto, seria tarde demais.
Fonte:
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=336832
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